Crônica de um conto inacabado
- Rosi Alves

- 11 de ago.
- 2 min de leitura
Um tempo desse, comecei a escrever um conto. A ideia ferveu e, no intervalo de um sorvete, foram de cara oito páginas. No fim do dia, porém, acabou sendo mais um no meu amontoado de textos inacabados do word. Depois disso, vieram outras histórias e ele lá, largado.
Mas eu tenho uma carta na manga para dias sem inspiração: Pessoas. É só sair de casa que logo as informações que vejo nas pessoas começam a fermentar no meu cérebro, formando perguntas, depois suposições, depois consequências e voilà! Aparece a história.
Para testar mais uma vez esse método, resolvi resgatar meu conto empacado. Em dias assim, geralmente vou a um café, doceria, gelateria... Qualquer lugar que tenha mesa, cadeira e açúcar. Mesmo antes de chegar, já sentia os efeitos da experiência: Uma roupa daqui “opa, que interessante o personagem tal usar essa estampa”, um rosto dali “combina com o fulano”, um gesto, uma careta, um olhar, um instrumento, um cão.
Especificamente, registrei na mente a bengala de uma senhora, o cheiro de cigarro de um homem que quase trombou em mim, a articulação do cara que vendia balinha e ao mesmo tempo argumentava sobre algo social com outro rapaz. De mim, eu levo apenas a premissa, meus milhões de pensamentos e um certo enfeite nas palavras (castigo ou benção de quem convive com literatura mais antiga), que gosto de chamar de poesia.
Chegado ao local, depois de pedir meu doce, comecei a trabalhar. Uns conhecidos apareceram, cumprimentaram, mas tratei de ser breve. Um ponto alto do meu método é: absorver detalhes de pessoas desconhecidas. O objetivo é elas serem um estopim, uma provocação, uma munição para a imaginação disparar livre por todos os lados. Uma pessoa conhecida já vem com a história condicionada na mente. Pronta. Não gosto, não acho honesto. Além disso, pessoas desconhecidas tem a grande vantagem de me oferecerem recurso visual sem precisar do verbal. Eu mantenho meu silêncio e minha concentração ao mesmo tempo que tenho um leque de inspirações. Quase como se eu fosse invisível. O melhor dos mundos.
Duas horas depois e estava acabado. O doce e o conto. Aproveitei a tarde e continuei caminhando entre as pessoas. Observando e sorrindo. Os que devolviam o sorriso talvez imaginassem em mim simpatia, gentileza. Na verdade, eu apenas as agradecia silenciosamente pelas características que eu roubara e que tinham contribuído tanto pro desfecho do meu conto e claro, também desse texto.
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