Rugas
- Rosi Alves

- 1 de jun.
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Outro dia reparei no rosto de um vizinho. Ele sempre me pareceu muito amoroso e alegre. Não entendia porque um desconhecido me passava essa impressão com tanta certeza. Mas hoje eu soube.
Ele está sempre com um sorriso, mesmo quando não sorri.
Está ali, desenhado pelo tempo. Um risco reforçado em cada repetição do gesto: sobrancelhas arqueadas, bochechas contraídas, olhos semicerrados, boca feliz.
Passei a tarde pensando em rugas. Não do ponto de vista vaidoso, como talvez mais se pense nelas, mas como a enfim confissão da pele sobre o que sentimos ao longo da vida.
Analisei minha imagem de quase trinta anos no espelho e notei a sugestão de algumas linhas.
Vincos na testa (que atribuí à agonia que me causava a claridade) cantos da boca inclinados para baixo e algumas marcações abaixo dos olhos. Ali estava. O início de uma narrativa em carne.
Gostei tanto quanto desgostei. Não podia negar que achei bonito
o pensamento. Mas também me consternou, como criatura avessa a ser descoberta que sou, a ideia de ter denunciada na cara parte do que fiz. Creio, porém, que quando meu desenho estiver completo, a maioria das pessoas vão parar a observação na conclusão da velhice. Mas eu, e talvez uma ou outra pessoa de olhar sensível e afiado, o perceberei como a revelação das expressões mais frequentes ao longo da vida.
Sinais de quem fui. Rosto feito de passado.
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